2 Days in New York (2012)


2 Dias em Nova Iorque, real. Julie Delpy. Alemanha/Bélgica/EUA/França, 2012. 35mm, DCP, cor, 96 min.

2 Dias em Nova Iorque é a sequela de 2 Dias em Paris (2 Days in Paris, 2007), mas é uma continuação que pretende refazer uma história em vez de simplesmente a repetir. Estas duas comédias são um projecto pessoal da realizadora, argumentista, e actriz Julie Delpy, uma francesa que se naturalizou americana. Nelas, Delpy reflecte com humor sobre a sua dupla condição de francesa e americana. 2 Dias em Paris explorava o regresso de Marion (Delpy) à sua cidade natal, à sua família, e aos seus conhecidos, acompanhada pelo namorado Jack (Adam Goldberg). As gargalhadas nasciam sobretudo do embate de Jack com a realidade francesa e com o passado de Marion. Era um filme espirituoso que procurava um sentimento de descontracção e indeterminação — através de uma câmara liberta e de um rumo narrativo em aberto, construído ao sabor de acontecimentos inesperados. 2 Dias em Nova Iorque, pelo contrário, tem o sentido de um fábula idiossincrática contada a uma criança. O teatro de marionetas que abre e fecha o filme dá-lhe uma forma redonda que contrasta com o anterior. Marion tem um novo companheiro, Mingus, que Chris Rock interpreta com subtileza e inteligência. Delpy examina mais uma vez o contexto cultural, nomeadamente as mudanças nos EUA após a eleição de Barack Obama como presidente. Por exemplo, Mingus encontra em Obama um interlocutor próximo e simula conversas entre os dois — ou melhor, entre ele e uma figura de cartão. Próximo do espírito da screwball comedy, 2 Dias em Nova Iorque investe muito do seu vigor na troca de palavras, mesmo que esta energia se disperse por vezes por falta de foco. A irreverência dos clássicos deste género, como A Irmã de Minha Noiva (Holiday, 1938), era complementada com uma aposta constante na palavra como expressão das personagens e das suas relações. Tal como o Johnny Case (Cary Grant) dessa comédia, também Marion está à deriva, sem saber o que fazer. A presença do pai (Albert Delpy), da irmã (Alexia Landeau), e do ex-namorado (Alexandre Nahon), expõe a falta de controlo que ela sente sobre a sua vida, o que a faz não conseguir escolher — não entre duas mulheres, como Johnny, mas entre possibilidades de vida. O crítico de arte que visita a exposição de fotografia dela descreve a sua obra como mundana, no sentido pejorativo de insípida, aborrecida. A arte cinematográfica de Delpy é, no entanto, mundana porque é terrena e se interessa pelos segredos do quotidiano, rejeitando a necessidade de o suplementar com outra coisa qualquer. Num aparente gesto conceptual, Marion põe a sua alma à venda na exposição. Primeiro, ela confessa que a sua alma “é bastante complicada” e tem-lhe trazido “muitos problemas”. Depois diz que não acredita na alma e, por isso, a colocou cinicamente no mercado. São duas posições contraditórias que revelam o seu conflito, que não é com conceitos, mas com ela própria. O desenlace desta questão é precipitado, mas ao confrontá-la com a morte da mãe sugere pelo menos que a alma tem a ver com a história pessoal dela, ainda em construção. No fim, 2 Dias em Nova Iorque acaba por celebrar o sentimento de mundanidade da protagonista, a consciência íntima de estar finalmente à vontade no mundo. [08.08.2012, orig. 07.2008]