Super 8 (2011)


Super 8, real. J. J. Abrams. EUA, 2011. 35mm, 70mm, DCP, cor, 112 min.

Para um filme com uma criatura extra-terrestre e outros elementos da ficção científica, Super 8, dirigido por J. J. Abrams, dá uma importância à realidade que pode parecer desajustada. Dessa forma, mostra como a fantasia não é necessariamente uma fuga à vida. Pelo contrário, a fantasia pode pulsar de vida. O filme opta por nunca abandonar o quotidiano de uma pequena cidade do Ohio no Verão de 1979. Na primeira cena, não há diálogos. Um trabalhador da grande fábrica siderúrgica que marca a paisagem local, pertença dos seus trabalhadores, actualiza manualmente um placar informativo com o número de dias sem acidentes. Há 784 dias, mais de dois anos, que não havia um acidente. O acidente de trabalho foi fatal e a perda que dele resultou é de todos. Levou a mãe de Joe (Joel Courtney), um miúdo de quatorze anos obrigado a fazer o luto. Meses depois, o seu melhor amigo Charles Kaznyk (Riley Griffiths) convence-o a fazer um filme de terror sobre mortos-vivos, com a ajuda de mais três amigos e Alice (Elle Fanning). O cinema é assim aquilo que medeia entre a morte e a vida, que enfraquece a força da morte e intensifica a força da vida. Durante a rodagem do filme numa estação de caminhos-de-ferro, ocorre a colisão de um comboio de onde se escapa um estranho e enorme ser. Tinha sido aprisionado em 1958 e só quer voltar para casa — como o E.T. do filme de 1982 realizado por Steven Spielberg, produtor de Super 8 e uma das suas mais notórias influências, em particular no contexto e no sentido do maravilhoso. Antes da sua presença ser o pretexto para a reconciliação necessária e o adeus definitivo, provoca uma série de acontecimentos insólitos na cidade, nomeadamente apagões. Durante uma destas interrupções no fornecimento de electricidade, Joe e Alice conversam, ambos marcados pelas feridas que o acidente na fábrica abriu na comunidade e nas suas casas. Joe perdeu a sua mãe e vive com um pai que não o entende. Alice vive com um pai que bebe ainda mais do que no dia em que a mãe de Joe teve que assegurar o turno que era responsabilidade dele. Ele carrega o peso de se sentir responsável pela morte dela. A electricidade regressa e com ela a luz da projecção do filme que Joe estava a rever. Na companhia das imagens da mãe dele e da criança que ele foi, Joe diz: “É tão estranho. Vê-la como se ela estivesse aqui. Ela costumava olhar para mim de uma maneira, olhar mesmo... e eu sabia que estava lá... que eu existia.” Super 8 reflecte um contraste, sem simples oposição, entre a película e o digital. É uma obra de cinema e sobre o cinema. É em película de Super 8mm que os adolescentes rodam o seu filme de zombies. Foi também em película (8mm, 16mm, e 35mm) e em digital (REDCODE RAW) que Super 8 foi rodado. À película é associada um registo que dá vida ao que aconteceu. Ao digital, combinado com a película, é associada a criação que dá vida ao que não aconteceu. Ou seja, há uma vida que só acontece no e através do cinema e do olhar que um filme edifica. Mas esta vida não pode ser isolada ou desligada da vida humana, da sua vivência concreta e histórica, do seu potencial imaginativo e criativo. Tal como a existência de Joe se confirma com o olhar da mãe, também a existência do mundo se confirma com o olhar do cinema. O filósofo estado-unidense Stanley Cavell contesta no seu primeiro livro sobre o cinema, The World Viewed, a ideia de que a fantasia é “um mundo à parte da realidade, um mundo que mostra claramente a sua irrealidade”. Acrescenta ainda os seguintes pensamentos: “A fantasia é precisamente aquilo com que a realidade pode ser confundida. É através da fantasia que a nossa convicção do valor da realidade é estabelecida; renunciar às nossas fantasias seria renunciar ao nosso contacto com o mundo.” Não admira que Super 8 seja atravessado por referências historicamente situadas. A passagem de personagens pela guerra no Vietname, de onde as forças militares dos EUA tinham sido obrigadas a sair quatro anos antes, é uma delas. O germe ideológico durante a Guerra Fria, é outra. Num ambiente de confusão e perguntas sem respostas, uma das habitantes da cidade rapidamente descreve o que se passa como “uma invasão russa” e depois de ser desmentida volta à carga dizendo que “são os soviéticos”. O visitante de outro planeta é também uma imagem do que não se conhece e do inimigo que se constrói. [13.01.2017]