La solitudine dei numeri primi (2010)


A Solidão dos Números Primos, real. Saverio Costanzo. Alemanha/França/Itália, 2010. 35mm, cor, 118 min.

Vai-se crescendo a partir do que permanece da infância. La solitudine dei numeri primi desenvolve esse tema através da relação que cresce entre Alice (Martina Albano/Arianna Nastro/Alba Rohrwacher) e Mattia (Tommaso Maria Neri/Martina Albano/Luca Marinelli). Ela e ele têm traumas e uma existência de isolamento, mas apesar de estarem próximos nunca se juntam verdadeiramente. A narrativa articula diversos tempos (1984, 1991, 2001, 2009) e rimas. As insistentes imagens de corredores transmitem a sensação de compressão dos corpos. O formato largo fragmenta os corpos como se fossem partes desligadas, em particular a cabeça (atravessada por pensamentos) e o rosto (espelho da interioridade). Em 1984, são crianças e a vida aparece como teatro, lugar onde os desenhos animados são tão agressivos como a realidade fora do ecrã. Alice tem um acidente de esqui. Mattia abandona a irmã gémea e perde-a para sempre. Em 1991, são adolescentes e o olhar dela nem sempre encontra o olhar dele, neste tempo de paixões e de violência física e psicológica na escola. Em 2001, são jovens adultos. Ela sente-se realizada. O futuro dele parece incerto. Voltam a encontrar-se e ele partilha finalmente com ela o episódio traumático da sua infância. Em 2009, os papéis invertem-se e é ela que passa mal depois de um divórcio, enquanto a vida profissional dele prospera. A figura dos elementos desligados de um só corpo (que permanece incompleto) estrutura o filme como imagem da relação entre Alice e Mattia. Mais do que as indesmentíveis diferenças na história pessoal e personalidade entre ela e ele, La solitudine dei numeri primi dá mais destaque àquilo que os aproxima, ao que têm comum, àquilo que os confunde e que faz com que o filme os confunda aos nossos olhos. Isto é notório nas situações traumáticas que viveram aos 8 anos que deixaram marcas físicas no caso de Alice e marcas psicológicas no caso de Mattia, mas levam ambos a agredir o seu corpo, como que a puni-lo com a anorexia e os cortes. Os travellings para a frente estabelecem um movimento inexorável nesta narrativa, de focalização alterada nas personagens. Mattia e Alice são números primos, expressam uma irremediável diferença apenas divisível por si e por um, ou seja, são uma unidade em si. Ele e ela só se tocam no fim. Amam-se, mas não conseguem exprimir o seu amor. E se a unidade não é consumada pode pelo menos ser vivida no sentido da solidão de ambos ser acompanhada, deixando de ser uma solidão sozinha. Nesse sentido, como se vê no fim, entre a figura esquelética dela e a figura barriguda dele gera-se um estranho equilíbrio que não é uma complementaridade. [10.08.2018, orig. 04.11.2015]