Death Proof (2007)


À Prova de Morte, real. Quentin Tarantino. EUA, 2007. 35mm, cor, 114 min.

A indulgência e imaturidade de À Prova de Morte fazem dele um apogeu na obra de Quentin Tarantino. É um filme guiado pela paixão, disso ninguém duvida, mas é uma paixão com alguma inconsequência artística: os seus limites começam por ser os que o pequeno universo mental e referencial do autor impõem, no seu jogo conceptual. Este é, e quer ser, exclusivamente um filme sobre filmes. Contraste-se esta infértil pretensão com obras com um olhar crítico e criativo sobre as imagens e as representações que o cinema nos foi dando — como Mulher Fatal (Femme Fatale, 2002) de Brian De Palma fez em relação ao film noir. Esteticamente, a primeira parte imita de modo calculado as características mais acidentais e superficiais do exploitation mostrado nas salas grindhouse — falhas de continuidade, fotogramas perdidos, película riscada, grandes planos de mamas e rabos, violência gráfica. O filme abraça o pior desse cinema de forma acrítica (veja-se o deleite na repetição da colisão assassina) e isso não se torna melhor por ser repetido por Tarantino, como se o seu nome fosse caução, nem pode ser ignorado devido a algumas linhas de diálogo. O que a segunda parte confirma é a falta de interesse na raiz da misoginia de Mike (Kurt Russell) e nas razões e emoções dos oito ícones femininos. Fiel ao seu hino “a violência é divertida” — que cineastas que o influenciaram, como Martin Scorsese e Sergio Leone, rejeitariam por terem uma perspectiva moral, mas não moralista, sobre a violência — Tarantino lança-se a um final que nada tem de feminista, ao exibir como as mulheres podem ser tão sádicas e cruéis como o homem que as agride e persegue. Alguns exploitations são bem mais sofisticados. Faster, Pussycat! Kill! Kill! (1965) de Russ Meyer, por exemplo, começava com uma mensagem introdutória, voz da moral vigente, partindo para uma sátira na qual as caricaturas questionavam estereótipos e a violência era olhada como libertadora, mas também como auto-aniquiladora. Na verdade, À Prova de Morte não é alimentado pelo amor ao cinema, mas pelo entusiasmo mais desatento. Talvez Tarantino não seja um cinéfilo, mas um cine-vampiro. E como sabemos, os vampiros não têm alma. [24.01.2010, orig. 07.2007]