Dragonfly (2002)


O Poder dos Sentidos, real. Tom Shadyac. Alemanha/EUA, 2002. 35mm, cor, 104 min.

Ele (Kevin Costner) e ela (Susanna Thompson) estão separados pela distância, mas são dois médicos que se amavam. A última memória que ele tem dela é a sua voz ao telefone, a gritar por entre a chuva intensa. Os sinais que ele recebe depois exigem aprendizagem e disponibilidade. O viúvo precisa de aprender a lê-los para entender o seu significado, mas antes necessita de acreditar que eles são uma manifestação da sua falecida esposa. A solidão facilita a crença, mas toda a sua experiência prática de clínico complica-a. Talvez ele esteja a imaginar que ela tem algo para lhe dizer, por ele sentir que disse pouco — tão pouco do que queria dizer. O confronto entre uma racionalidade apoiada em conhecimentos científicos e o irracional do amor é mais debatido do que vivido no interior do filme. Esse embate que estaria ligado ao mistério que se instala surge algo esquemático. É uma questão de ossatura dramática, porque partindo de uma ideia forte, nunca consegue instalar a dúvida. Esta fragilidade revela-se na função informativa dos diálogos e nas soluções de direcção e montagem que não tornam as inquietações mais intensas. A estruturação dos espaços da acção — e dos objectos que os povoam — e o domínio da duração seriam determinantes para encenar esta viagem tensa, em que o físico conduz ao metafísico. O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999) conseguiu isto. Esta obra utiliza ideias de outros filmes, incluindo do filme de M. Night Shyamalan, mas sem a mesma eficácia. A narrativa constrói-se a partir de princípios demonstrativos — o que impede a entrega dos actores e dificulta a sua convicção. Estranhamente, há uma acumulação de imagens e cenas que comunicam muito pouco entre elas. Uma das montagens finais mostra bem isto, recuperando alguns planos já vistos sem que daí nasça outro sentido. Outro exemplo: a relação entre o médico e os que se dizem mensageiros, os miúdos que tiveram experiências de quase-morte, não ecoa o facto de ele pensar que perdeu a filha que estava para nascer ao mesmo tempo que perdeu a mulher. Esta relação podia antecipar essa verdade íntima, a sobrevivência da filha ao acidente, que no fim se tornará no elo vivo com a mulher que ele perdeu. [25.01.2010, orig. 04.2003]