Homem na Lua, real. Milos Forman. Alemanha/EUA/Japão/Reino Unido, 1999. 35mm, cor e pb, 118 min.
Quem era Andy Kaufman? Para uns, um performer excêntrico que começou nos anos 1970. Atingiu de forma violenta a passividade de quem o via. Inventou personagens cretinas, detestáveis, prolongou silêncios até ao insustentável, inflamou feministas gritando-lhes que combatessem com ele num ringue, leu The Great Gatsby (O Grande Gatsby) de F. Scott Fitzgerald na totalidade para uma plateia de estudantes. Tudo aconteceu. Tudo está no filme. Para outros, Andy Kaufman nunca existiu. Quem o conheceu (Danny DeVito, produtor do filme, por exemplo) diz que por trás de todas as máscaras nada havia, tudo era espectáculo: a vida era para ele um gigantesco palco. Jim Carrey, com versatilidade e expressividade, faz transparecer o que nele havia de auto-destrutivo — uma constante ameaça para o público, para si, para o filme. Milos Forman respeitou a obscuridade da personagem, sabendo que era o insondável que o definia. O filme é uma longa performance de Andy Kaufman para nós. Forman lida com a imagem fílmica como uma representação realista, acreditando na sua ambivalência, porque tal imagem é sempre gerada por um olhar. Os enquadramentos frontais definem os palcos. A montagem obedece aos constantes ritmos inconstantes das actuações e personagens de Kaufman. Ou seja, Kaufman/Carrey comandam o filme. Homem na Lua é um espelho onde a personagem e o actor se dão a ver, conscientes de serem vistos. Isto é claro desde o princípio. Latka, uma das suas personagens, emigrante meio infantil, acompanhado de um gira-discos, diz-nos que o filme era uma colecção de factos desinteressantes sobre a sua vida e que por isso não será projectado. Pega na agulha do gira-discos e quando põe o disco a tocar, os créditos finais começam a correr. Acabou. “Adeus”, diz ele. Mas depois volta, para dizer que o filme é bom, rodando um projector até a luz se cruzar com a objectiva da câmara. Começa o filme. Tudo o que se passa a seguir, das cenas de família às actuações, mantém esse contracto de espectáculo. Mesmo a morte, é para ele a suprema piada, com um raccord belíssimo a unir uma gargalhada desesperada ao seu corpo no velório. Mesmo aí, uma imagem é projectada por cima do caixão. A igreja é uma sala de espectáculo com todos a repetirem as palavras dele, em comunhão com ele. É o que faz desta obra uma experiência tão comovente e única. Não é uma comédia, mas uma tragi-comédia que combina o trágico e o cómico como formas de revelação do humano. Andy Kaufman era um palhaço, veículo alegre corroído pela tristeza. Não há personagens mais trágicas que os palhaços. O singular sentido de pontuação dramática de Forman revela-se em relação à estrutura narrativa de todo o filme — prólogo-desenvolvimento-epílogo. Atente-se na última cena, que surge encadeada com a do velório. Aparece a legenda “1 ano depois”. Há carros na rua. George Shapiro (DeVito) e Lynne Marguiles (Courtney Love) dirigem-se para um bar onde vai actuar alguém que encarna Tony Clifton, a mais excêntrica personagem de Kaufman. A cadência da montagem coincide com o ritmo da música, como se tudo estivesse na mesma. Um travelling lateral parte do palco, atravessa o público, e detém-se numa imagem de néon de Andy Kaufman em perfil — imagem tão impenetrável e espectacular como todas as que Kaufman criou. [04.01.2010, orig. 06.1999]