98 Octanas (2006)


98 Octanas, real. Fernando Lopes. Portugal, 2006. 35mm, cor, 94 min.

Esta é uma obra menor na filmografia de Fernando Lopes. A segunda colaboração na escrita entre o crítico João Lopes e o cineasta, depois de Lá Fora (2004), é debilitada pela inconsistência formal e pelas fragilidades da estrutura dramática. O ponto de partida é um encontro fortuito entre Maria (Carla Chambel) e Diniz (Rogério Samora). A presença da actriz é fortíssima e transmite, através dos gestos, das posturas, e da fala, uma defensiva e desamparada agressividade. Já Rogério Samora é uma presença branca, quase nunca comunicando o desespero de uma personagem em fuga. E haviam cenas que pediam essa capacidade do actor — como a na cama entre o desejo e a pulsão da morte. Na verdade, as interpretações são prejudicadas pelas oscilações de registo, entre realismo e simbolismo. Um momento com traços oníricos como o do lago não redefine as personagens. Anula — ou suspende — o que estava definido, como se fizesse parte de outra película. Não se trata de uma combinação de ideias, mas simplesmente de uma justaposição com pouco que a sustente — compare-se com a aguçada inteligência e atenta sensibilidade de Volver - Voltar (Volver, 2006), no qual o onírico é incrustado no real. Há também uma nunca assumida vertente de suspense, dissipada por soluções ineficazes de montagem — quando Diniz é sovado — e planificação — quando o par é perseguido numa estação de serviço. Esta fragmentação e indecisão jogam contra a noção de viagem física e íntima dos protagonistas. Há demasiadas redundâncias que dispersam o sentido narrativo desta história de amor. Os diálogos vacilam entre o ritmo e acutilância do cinema clássico americano, e o desadequado tom e geometrismo dos textos de Godard. Não é preciso aceitarmos a noção mimética de que as personagens de um filme de ficção devem falar como nós, para repararmos que em algumas sequências, os jogos de linguagem são tão literariamente interessantes quanto falhados como expressão do que as personagens sentem e pensam. Não é de estranhar que as melhores cenas (nas quais o filme se envolve completamente, e não intermitentemente, com as matérias narrativas que convoca) utilizem menos palavras — como no comovente reencontro de Maria com a sua avó (Márcia Breia). [09.02.2010, orig. 09.2006]