Caché (2005)


Nada a Esconder, real. Michael Haneke. Alemanha/Áustria/França/Itália, 2005. 35mm, cor, 115 min.

A obra do austríaco Michael Haneke tem lidado com uma angústia muito contemporânea. À vida das suas personagens corresponde uma ordem posta em causa pela insegurança, pela violência, pela diferença, pela perturbação, pelo afecto, pela desordem, afinal, como filmes como Brincadeiras Perigosas (Funny Games, 1997) e a A Pianista (Die Klavierspielerin, 2001) demonstram. Depois do apocalíptico e subvalorizado O Tempo do Lobo (Le Temps du loup, 2003), Haneke regressa com este espantoso Caché, com o qual venceu o Prémio de Melhor Realizador no Festival de Cannes. Um casal recebe vídeos que mostram a sua casa, acompanhados por desenhos enigmáticos. O conteúdo torna-se mais pessoal quando as cassetes mostram o lugar onde o marido cresceu. A estrutura do thriller psicológico é dissecada cirurgicamente para revelar as feridas colectivas nas lesões individuais e o passado no presente. As questões semeadas pela história não ficam sem resposta, mas é preciso permanecer mesmo até ao fim do filme. Seja como for, o cineasta interessa-se menos pelo simples inquérito e revelação do responsável e mais pelos efeitos que as imagens (e aquilo a que elas conduzem) têm nas personagens. A informação narrativa é escassa e fugaz. Desde o início, os vídeos são integrados como parte idêntica ao resto do filme. Assim são interrogadas as evidências e o modo como nos relacionamos com a (nossa) história e como (nos) damos sentido através das imagens (e) dos outros. A memória e as marcas da guerra na Argélia dão a este filme uma inquietante actualidade e lucidez face aos recentes incidentes nos arredores de Paris, posteriores à produção. Não é que ele explique ou queira explicar essas tensões sociais, mas as personagens magnificamente interpretadas por Daniel Auteuil, Juliette Binoche, e Maurice Bénichou, mostram pelo menos que o confronto com o outro é um passo para um mais radical confronto com eles próprios e com os seus descendentes. Por isso, o título original CachéEscondido, à letra — refere-se simultaneamente a algo dissimulado, encoberto, omitido, reprimido. [08.04.2010, orig. 01.2006]