Syriana, real. Stephen Gaghan. EUA, 2005. 35mm, cor, 128 min.
Syriana é um belo título. Lembra “Americana”, palavra que define a cultura americana e os seus artefactos. Não é por acaso. De acordo com Stephen Gaghan, argumentista e realizador, esta expressão é utilizada por consultores para a política externa americana. Descreve um hipotético redesenho do Médio Oriente numa “nação” democrática. A necessidade de nomear um estado inexistente tem a ver com as relações económicas existentes entre os EUA e essa região. A narrativa desta obra é uma ficção tão grande como essa denominação. Syriana tem uma estrutura semelhante a Traffic - Ninguém Sai Ileso (Traffic, 2000), pelo qual Gaghan ganhou o Óscar para o melhor argumento adaptado. Organiza-se a partir de um conjunto de histórias que, neste caso, não estão pontualmente, mas inteiramente ligadas: a fusão e os contratos de petrolíferas, a sucessão no poder de um país árabe, as operações clandestinas da CIA, o recrutamento de terroristas islâmicos. É um enredo que exige a total atenção do espectador. Gaghan não tem a mão narrativa de Steven Soderbergh, no entanto consegue estabelecer estas ligações através de referências, pessoas, e imagens. Tudo está relacionado, sem ser consequência inevitável do que o antecedeu. Da responsabilidade de cada envolvido nasce a complexidade deste ambicioso thriller. Cada personagem é definida pela sua posição neste jogo de interesses que a ultrapassa e pela sua vida pessoal que a delimita, como o inesquecível agente cansado e isolado interpretado por George Clooney. É mais forte do que qualquer exemplo de propaganda de Michael Moore, embora menos divertido. O seu discurso é verdadeiramente político, não um simples ataque ideológico às ideias neoliberais sobre estes temas. Reclama de nós a disponibilidade para repensarmos a nossa relação com o mundo de hoje, sem impor como o devemos fazer. Na intensidade das palavras e densidade dos detalhes, Gaghan reinventa a máxima política e cinematográfica de Jean Renoir: cada pessoa tem as suas razões. Este princípio realista impede que o filme julgue pelo espectador. Mostrar e escutar podem ser gestos mais incisivos do que condenar ou desculpabilizar: o vibrante elogio da corrupção feito por Danny Dalton (Tim Blake Nelson) exemplifica-o bem. [11.04.2010, orig. 02.2006]