Gritos 4, real. Wes Craven. EUA, 2011. 35mm, DCP, cor, 111 min.
Depois de Red Eye (2005), Wes Craven ausentou-se da realização de longas-metragens. Regressou com um muito subvalorizado My Soul to Take (2010), directamente lançado em vídeo em Portugal, que escreveu, produziu, e dirigiu. Gritos 4 continua uma série que tinha aparentemente terminado. Como metaficções, ficções que mostram os mecanismos da ficção, a série tinha explorado o conhecimento das personagens em Gritos (Scream, 1996), a relação espectador-imagens em Gritos 2 (Scream 2, 1997), e a produção de tais imagens pelo cinema em Gritos 3 (Scream 3, 2000), analisando não só as convenções de um sub-género de terror, o slasher, mas também o seu sentido. O novo filme opta pela reflexão sobre os três temas anteriores, estruturando-se como duplo modificado do original, sequela e remake, com Jill (Emma Roberts) no lugar da sua prima, a perseguida e sobrevivente Sidney (Neve Campbell). Desde as cenas de abertura, de camada em camada, o comentário sobre o que se vê (e sobre a visão) torna-se central. Facada (Stab), a série dentro da série, vai agora no sétimo volume e ganha outra importância. A mudança de foco do efeito emocional (grito) para o acto violento (facada) manifesta o modo como Scream escancara o mundo da ficção, mas deixa um espelho transparente de pé — questionando se o cerne do terror está na violência gráfica ou no olhar construído com a cumplicidade do espectador em que as imagens de violência são desejadas. Gritos 4 vai ao extremo de redefinir o slasher como uma ficção que estabelece (e convida) o ponto de vista do assassino. Como é referido no filme, a génese encontra-se em A Vítima do Medo (Peeping Tom, 1960). Janela Indiscreta (Rear Window, 1954) é outra referência explícita porque nele o voyeurismo é seguido pelo envolvimento do espectador e das personagens — como quando Sidney atravessa a rua para confrontar o assassino que mata uma rapariga na casa em frente. A escrita de Kevin Williamson é fundamental, mas sem a teia de espaços, tempos, e ecrãs, e as habituais composições em profundidade do realizador, a reflexão que o filme provoca e a tensão que instaura não passariam de uma boa ideia. Não é por acaso que o filme nega o acesso directo às imagens dos homicídios filmadas pelo criminoso. O final liga a máquina da cultura da celebridade, do narcisismo, da indiferença ao (sofrimento do) outro, ao rosto da pessoa que cometeu os crimes, aclamada pelo seu heroísmo no plano anterior. Esta ligação irónica e brutal é o culminar da desconstrução e reconstrução do poder revelador e reflexivo das imagens e da partilha das suas convenções, apoiado no riso e no grito como catarse. É esse poder que este filme relembra e reafirma. [10.05.2011, orig. 04.2011]