A Última Hora, real. Spike Lee. EUA, 2002. 35mm, cor, 135 min.
Um lugar e um tempo. O lugar é Nova Iorque — Spike Lee é um dos seus mais importantes cronistas, como tal, interessa-se pelo seu passado, mas também pelos seus sucessivos presentes. O tempo é o que sucedeu ao 11 de Setembro — com as suas cicatrizes e ressentimentos. O drama inscrito neles é adaptado do romance homónimo de David Benioff pelo próprio autor e é o do último dia de liberdade de um pequeno traficante de droga. É preciso inventar uma hora que o prolongue, para que o tempo se torne uma medida interior, expandindo-se, concentrando-se, para que ele enfrente os amigos, a namorada, o pai, a vida, o mundo. As figuras incandescentes, tensas, semelhantes e dissonantes, presentes e ausentes, alcançam essa invenção. São os muitos tempos que se abrem sobre os lugares e as palavras: uma casa, um “Vai-te foder!” E este é o poema escrito por eles, sobre uma culpa imensa que une as personagens na sua diferença. A narrativa dispersa tem esse centro temático. As assombradas imagens de Rodrigo Prieto, a grandeza da música de Terence Blanchard, os rostos doridos das actrizes e dos actores, criam um lamento pela aceitação moral da responsabilidade e pela incerteza livre do futuro. Da cidade e os seus escombros à intimidade e às suas separações, estes seres feridos podem não encontrar a redenção, mas tomam consciência, nem que seja por um momento, do desejo de se libertarem dos seus fantasmas e de encontrarem alguma paz. [10.06.2011, orig. 08.2003]