Finding Forrester (2000)


Descobrir Forrester, real. Gus Van Sant. EUA, 2000. 35mm, cor, 136 min.

A claquete com o título do filme e o nome do realizador é fechada e o filme começa. Depois, um negro improvisa um rap. As rimas evocam o espírito do Bronx, onde a narrativa se vai desenvolver. O plano transmite o programa realista de Descobrir Forrester, atento aos elementos que caracterizam este lugar e estas personagens. É um plano que mostra o processo de construção e instauração de um olhar, simultaneamente mecânico e humano — um olhar que rouba imagens ao mundo ou as recria para o entender. É também isso que faz William Forrester, interpretado por Sean Connery — e o seu olhar é o predominante, não o que conduz o filme, mas aquele que toca as personagens principais com vitalidade. É um olhar tecido de solidão, amargura, memória, e curiosidade. O último plano avança através da janela até enquadrar um jogo de basquetebol e corresponde à visão do velho escritor, que admira o mundo à distância, aparentemente sem se envolver nele. Ele olha do alto e de longe, mas nunca é visto. Tal como o rapper que diz as suas palavras para a câmara, também os jovens sabem que estão a ser observados, mas sem conseguirem ver quem os observa. Mas essa distância magoada de Forrester não exclui a envolvência. Ou, pelo menos, uma observação de que a sua figura apesar de ser exterior aos circuitos sociais e literários continua a tocar alguém, a circular entre as pessoas, eventualmente com alguns equívocos, mas permanece presente através do único livro que escreveu. Além disso, ele alimenta-se daquilo que vê, seja a energia dos jogadores, seja a beleza de um pássaro. Quer ver bem, por isso passa muito tempo a limpar os vidros da sua janela. O plano já comentado corresponde à sua visão e corre durante todo o genérico final. O tempo desenrola-se à medida da sua disponibilidade para descansar o olhar no mundo em movimento. A janela de Forrester é uma via de acesso ao mundo e é sintomático que a imagem que ela oferece sobre a cidade vá pontuando o filme. Sobre os encontros entre o miúdo e o velho podemos dizer que são trocas, numa dinâmica de perguntas e respostas, conhecimento mútuo. Contra a inexperiência do novo, a experiência do velho. Contra a morte presente no idoso, a vida do rapaz. Jamal Wallace (Rob Brown) torna-se escritor e o velho escritor escocês reencontra o sentido da sua vida. O livro que tinha escrito para ser publicado postumamente, com um prefácio de Wallace, chama-se, não por acaso, Pôr-do-Sol (Sunset). É um filme frágil, mas a sua força vem dessa fragilidade. Pode-se pensar que este filme é talvez demasiado parecido com O Bom Rebelde (Good Will Hunting, 1997), mas Descobrir Forrester conta uma história de aprendizagem, de como usar e desenvolver o talento para fazer florescer a vida. Há alguma semelhança, é certo, mas o mais significativo neste caso é a curiosidade por esse olhar que olha atento sem ser visto. Essa reclusão é distintiva. O miúdo negro vive num meio onde o horizonte de escolhas é muito limitado. Escreve sozinho e às escondidas. Até a sua mãe fica espantada com os resultados do filho, como se fosse difícil de acreditar no contexto das expectativas que tem. Quando ele chega à escola de prestígio, já impulsionado por Forrester, entrega trabalhos brilhantes e o seu professor, Crawford (F. Murray Abraham), não acredita que alguém com as suas origens, vindo do Brox, tenha o talento que ele parece demonstrar ter. Resta saber onde fica esta clivagem social daqui para a frente, se é apagada como se não existisse, depois do filme a reconhecer, ou se permanece de alguma maneira através da figura do forasteiro, que pode ser usada para descrever tanto Forrester como Wallace. A integração de Wallace passa pela relação com outras personagens, como Claire (Anna Paquin), ainda que esta personagem quase não exista além desta função. Nada tem tanta força quanto o que se passa entre Forrester e Wallace, como demonstra a cena da máquina de escrever ou até a da leitura de Forrester, apesar do esquematismo dramático. Gus Van Sant esmera-se na direcção de actores e concentra a obra no essencial, trabalhando bem o formato largo da imagem, nos exteriores e nos interiores, nas dimensões, na geometria. A fotografia queimada pelo sol e pela luz dá ao filme um tom permanentemente liminar, como se o ambiente intimista do apartamento de Forrester se estendesse a tudo o resto. A cena em que Forrester abandona a casa é magnífica. Wallace consegue convencê-lo. Ele pergunta-lhe se está bem, o miúdo responde-lhe que ele está fora de moda, mas que está bem. Antes de sair, põe os óculos escuros para manter a distância. É interessante que saiam de noite, depois do sol se ter posto. Mas Forrester sai, para se perder no tráfego citadino e voltar à Escócia para morrer. [26.02.2023, orig. 04.2001]