Idi i smotri (1985)


Vem e Vê, real. Elem Klimov. URSS, 1985. 35mm, cor, 142 min.

De entre os filmes sobre a Segunda Guerra Mundial e a luta contra o nazi-fascismo, Vem e Vê talvez seja o mais brutal. O seu propósito parece ser mesmo o de confrontar o espectador com o horror tenebroso da guerra — e desta guerra, em particular. O Goskino, o Comité Estatal Soviético para o Cinema, recusou inicialmente o projecto por razões estéticas, sugerindo alterações. Mas o seu realismo sujo foi aceite em 1984, antes da sorrateira Glasnost, sem que a ideia original do realizador Elem Klimov fosse alterada ou comprometida. Este processo intrincado demonstra a dificuldade em lidar com a realidade da guerra, mesmo na URSS, que tinha sofrido mais baixas do que os EUA e o Reino Unido combinados entre 1939 e 1945. Esta obra é um murro no estômago, porque nos ensina que a guerra pode ter heróis, mas não é heróica. Aclamado pela crítica, Vem e Vê venceu o 14º Festival de Moscovo e foi a escolha soviética para a nomeação ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. O livro documental de Ales Adamovich, Janka Bryl, e Vladimir Kolesnik sobre a ocupação da Bielorússia e a dizimação das populações de 628 vilas serviu de base. A besta nazi-fascista surge aqui em toda a sua fúria. Adamovich, que escreveu o argumento com Klimov, tinha sido partisan soviético no território bielorusso. A narrativa descreve a iniciação de um rapaz, Florya (Aleksey Kravchenko), à violência devastadora da guerra, desde o momento em que encontra uma espingarda semi-automática numa trincheira até se juntar, determinado, à resistência armada. Densamente autêntico, este drama de guerra foi rodado na Bielorússia, com gente local. O título era para ter sido algo como Mata Hitler, em português. A cena que o justifica é aquela em que Florya dispara a espingarda contra um cartaz enquadrado de Hitler numa poça de água lamacenta. Os tiros são entrecruzados com imagens de arquivo da aclamação do líder nazi, do extermínio, do desespero, e também do recuo da guerra através da inversão do movimento das imagens de destruição das cidades e das frentes militares. O título que acabou por ficar vem do Livro do Apocalipse (6,7). O mesmo capítulo do livro bíblico fala da morte como um cavaleiro e do inferno que ele semeia. Ele mata pelas armas, pela fome, e pela pestilência. O filme assemelha-se, portanto, a um convite a ver as atrocidades cometidas pelo nazi-fascismo. Vem e vê. A partir do instante em que as bombas começam a cair, a angústia torna-se constante. Vê-se o medo nos olhos e nos gestos, o pranto convulso, os gritos lancinantes, a força humilhante, o fogo exterminador, a terra ensopada de sangue. É por ver tudo isso, a demência da guerra, que Florya envelhece aos nossos olhos. Eis um filme que urge mostrar e discutir, num tempo em que um revisionismo espúrio tem tentado, através de meios políticos e ideológicos, fazer equivaler o nazismo ao comunismo. Vem e Vê é uma peça expressiva e contundente de alerta para a necessidade de construirmos a paz, porque põe à vista a desumanidade da guerra. [31.12.2019]