Bafatá Filme Clube (2012)


Bafatá Filme Clube, real. Silas Tiny. Guiné-Bissau/Portugal, 2012. DCP, cor, 78 min.

Silas Tiny ainda era estudante da Licenciatura em Cinema quando realizou a sua primeira longa-metragem documental, Bafatá Filme Clube, com o apoio do ICA e da RTP. O filme retrata a história da cidade de Bafatá, na Guiné-Bissau, importante local no período colonial, posteriormente desertificado. O retrato centra-se numa sala de cinema desactivada, onde as atividades de um cineclube reuniam muita gente até à independência do país, declarada em 1973 e reconhecida em 1974. O edifício abandonado é guardado por Canjajá Mané, o antigo projeccionista que repete os mesmos gestos há cinquenta anos mesmo sem espectadores. Canjajá nasceu em 1940. Era pescador quando veio de Mansoa para trabalhar no Sporting Clube de Bafatá. Depois tornou-se responsável pela projecção de filmes, primeiro a carvão, mais tarde com energia eléctrica e uma máquina alemã Bauer. Já está no Clube há mais de meio século, integrando a sua direcção. “Continuamos a vida assim”, diz ele. O documentário foi produzido pela Real Ficção, produtora portuguesa fundada em 1986 pelo cineasta Rui Simões, que tem apostado na concretização de projectos, sobretudo documentais, de jovens realizadores, entre os quais se encontra Tiny. A produtora Filmes do Mundo associou-se ao projecto. A Telecine Bissau co-produziu a obra do lado da Guiné-Bissau. Estas relações de produção são estruturantes de um olhar que se constrói entre Portugal e a sua ex-colónia africana. O ritmo é pausado, quotidiano, tecido de tarefas laborais e domésticas. As pessoas param para contar a sua estória, a da cidade, e a do Clube, como se estivessem a evocar uma única história, mas sempre contada de maneira diferente. Não há como contá-la sem falar da guerra pela independência, do 25 de Abril de 1974, do PAIGC, de Amílcar Cabral. Antes e até durante o conflito armado, o Clube somava sócios. As gentes locais gostavam e aderiam. Vinham dos arredores para ver cinema, porque era a única sala que tinha sido autorizada pelo poder colonial na região. A única alternativa eram as sessões de Manuel Joaquim, projector ambulante. Estes homens e estas mulheres perpetuam a memória para si e para quem os escuta, com muito desencanto e algum fatalismo. As actividades do Clube e as sessões de cinema, financiadas em grande parte pelos comerciantes de Bafatá, eram ocasiões para a reunião popular. A cidade era comparável a Bissau, um sítio de passagem, de trocas comerciais, de produção de jóias e ourivesaria. Agora, é a imagem da decadência. Bafatá Filme Clube salienta o abandono, embora persistam múltiplos sinais de presenças, nas casas desabitadas, nos objectos envoltos em pó, nas zonas comuns que deixaram de ser utilizadas. A secura e o deserto invadiram tudo, criando ruínas como um tanque corroído que somos convidados a imaginar que foi outrora uma piscina. Mas esta situação, percebemos mais tarde, descreve apenas à parte baixa da cidade, onde se situa a sala do Bafatá Filme Clube. É uma área quase completamente abandonada e desligada. A parte alta, mais pequena, supostamente tem muita atividade, por ter um mercado, mais lojas, praças cheias, mas o filme nunca nos mostra esse outro lado da cidade. A sala é assim uma imagem do que persiste apenas porque há alguém que abre a porta, desempoeira os assentos, prepara a máquina de projecção, mesmo sem haver quem compre bilhete. O mesmo acontece com os poucos comerciantes que sobreviveram e que não têm clientes. Quanto desaparecerem, o mais provável é que esta secção de Bafatá morra também. O filme que Canjajá se prepara para projectar não chega a ser projectado. Não consegue atrair vivalma. O homem que mantém este hábito fecha a sala de cinema e afasta-se. Um dos entrevistados chama “cidade-fantasma” a Bafatá, mas também o será pela presença destas figuras que parecem espectros, aparições de defuntos num local à beira da extinção. O cinema é assumido por Tiny como arte espectral. O cineasta regressou às ilhas de São Tomé e Príncipe em 2014 para mostrar este filme sobre a linha que une o presente ao passado, entre os destroços e os fantasmas, unindo a memória à ruína, no âmbito da 7.ª Bienal Internacional de São Tomé. Haviam passado quase três décadas desde que ele tinha deixado a sua terra natal. O reencontro com as suas raízes propiciou o projecto seguinte, O Canto do Ossobó (2017). [20.03.2020, org. 27.12.2019]