A Promessa (1973)


A Promessa, real. António de Macedo. Portugal, 2019. 35mm, cor e pb, 102 min.

A partir de 2018, a Academia Portuguesa de Cinema e a Cinemateca passaram a editar em parceria uma colecção em DVD que visa recuperar e difundir obras emblemáticas do cinema português. O décimo título desta iniciativa meritória foi recentemente publicado. Trata-se de A Promessa, realizado por António de Macedo e baseado na peça homónima escrita por Bernardo Santareno em 1957. O texto original retrata as tensões entre José e Maria do Mar, fruto da promessa de castidade que fizeram quando se casaram, em troca da sobrevivência de Salvador, o pai de José, a uma terrível tempestade. O ambiente tenso alarga-se à família — que, além de Salvador, inclui o irmão mais novo de José, cego — e a toda a comunidade piscatória onde vivem. Tudo se complica com a chegada de Labareda, um homem ferido que é ajudado pelo casal. A censura fascista proibiu a representação da peça logo a seguir à estreia. A sua representação só foi permitida dez anos mais tarde. Aproveitando esta permissão, Macedo acalentou durante anos o projecto de adaptar A Promessa ao cinema. Interessava-lhe expressar a violência latente e manifesta no jogo entre o fervor de uma fé desencaminhada e os instintos humanos recalcados. Escapando ao anti-clericalismo, colocou frente a frente a velha Igreja (do padre Couto) e a nova Igreja (do padre João) saída do Concílio Vaticano II e contrapôs a superstição à religião. Com a participação activa do povo de Mira, Tocha, e Gala, e o cuidado com os cenários e figurinos, o filme ganhou um carácter quase etnográfico que contribui para a sua força visual, complementada com a música popular recolhida por Michel Giacometti. Há um feroz jogo de atracções e camadas, reminescente das teorias de montagem de Sergei Eisenstein e suportado pela densidade da imagem e do som. O cineasta esdrúxulo descreveu assim o seu ofício: “Quando faço um filme, ritualizo o filme todo. Fazer um filme é de resto, um ritual. Direi mais; é um trabalho de alquimia.” Nesta obra em particular, a ideia da transmutação liga a transformação dos materiais fílmicos à mudança de consciência. O filme passou no Exame Prévio da censura por uma unha negra, depois de muitas diligências, e estreou a 21 de Janeiro de 1974. O DVD inclui dois documentários e um conjunto de fotografias de rodagem. O documentário Memórias de Filmagem foi produzido pela Academia. Conta com entrevistas informativas a António de Sousa Dias (filho do realizador), Maria Gonzaga (Joaquina), Clara Diaz-Bérrio (anotadora/montadora), João Mota (José), Sinde Filipe (Labareda), e Xico Machado (padre João). O documentário António de Macedo, o Cineasta Inconformado foi produzido pela Associação de Moradores da Praia da Tocha em parceria com a BairradaTV. É uma homenagem ao cineasta que demonstra como A Promessa faz parte da história da comunidade da Tocha e é valorizado por ela. [19.08.2021]