La balsa de piedra (A Jangada de Pedra), real. George Sluizer. Espanha/Holanda/Portugal, 2002. 35mm, cor, 117 min.
Quando José Saramago escreveu A Jangada de Pedra, publicado em 1986, o livro parecia responder a um contexto específico: as condições desfavoráveis de adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), que marcaram a discussão política em Portugal nesse tempo. A adaptação do romance ao cinema, da autoria do cineasta holandês George Sluizer, foi feita 16 anos depois e é fiel ao espírito da obra original. No entanto, o episódio da separação de Portugal e Espanha, como Península Ibérica, do resto da Europa, aparece no filme noutro contexto histórico. Para o realizador, a questão da adesão já não se discutia (debatia-se, então, a integração capitalista desenhada pelos tratados fundadores da União Europeia), mas havia outras questões, “como a da fortaleza que a Europa construiu à sua volta, fechando as portas aos países que em tempos explorou.” Esta referência remete para as relações coloniais que tinham existido entre as potências europeias e os povos da América e de África — e também da Ásia. Não é por acaso que a Península Ibéria, que passa a ser uma ilha na deslocação física que sofre, num tempo pós-colonial, permanece uma espécie de ponte e estaciona entre a América do Sul e a África. A narrativa aponta assim para uma reflexão mais vasta sobre a história da humanidade. As raízes do território estão nos povos, na história da vida social dos seus habitantes, na que trazem consigo quando vêm de outras paragens e que acrescenta a uma história maior, em desenvolvimento. As personagens, três homens, duas mulheres, um cão, parecem inicialmente tão à deriva como o pedaço de terra onde estão. Mas vão percebendo que o seu rumo é o seu encontro, através do qual descobrem quem foram, quem são, e quem poderão vir a ser. Aquando da estreia desta que foi a primeira adaptação de um escrito de Saramago ao cinema, Sluizer explicou que fez uma “leitura de humor e ironia”, distante da “veemência” utilizada pelo escritor. A Jangada de Pedra surge no ecrã de forma mais doce e menos mordaz. A co-argumentista Yvette Biro explicou que ela e Sluizer se concentraram no valor poético da narrativa. O orçamento impôs limitações técnicas nos efeitos visuais, mas esses efeitos têm, de qualquer modo, um uso que se limita à definição de uma atmosfera em que o fantástico irrompe na paisagem. O essencial é o trajecto das personagens no interior de um mundo refeito aos seus olhos, mesmo faltando alguma densidade. [13.10.2022]