Veredas, real. João César Monteiro. Portugal, 1978. 35mm, cor, 120 min.
Um dos filmes que pode ser visto numa cópia digital restaurada recentemente pelo ANIM – Arquivo Nacional das Imagens em Movimento da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema é Veredas, terceira longa-metragem de João César Monteiro. Foi recentemente exibido na Mostra de Cinema Português de Tema Medieval, organizada pelo Centro de História da Sociedade e da Cultura na Casa do Cinema de Coimbra no mês passado. Ver esta esplendorosa cópia é de alguma maneira encontrar Veredas pela primeira vez. Certamente acontecerá o mesmo com os marcantes títulos portugueses que estão em processo de digitalização e restauro. Na filmografia de Monteiro, Veredas segue-se às longas-metragens Fragmentos de um Filme-Esmola - A Sagrada Família (1975) e Que Farei Eu com Esta Espada? (1975). A primeira é uma ficção irreverente e provocatória, rodada entre 1972 e 1973, e produzida pela cooperativa Centro Português de Cinema. A segunda é uma obra mordaz que versa sobre o imperialismo americano, o capitalismo português, e as linhas ideológicas que os unem, a pretexto da contestada presença de navios da NATO em Lisboa. Como referiu o realizador na altura de estreia: “O filme procura referir, pelo contraste, como é possível lutar com uma espada contra a poderosa esquadra americana.” Ou seja, Veredas sucede a um dos filmes mais vincadamente políticos do cineasta. O projecto artístico desta obra tem uma forte ligação ao processo revolucionário iniciado com o 25 de Abril de 1974, mas a rodagem decorreu num período politicamente tenso, entre Novembro de 1975 e Julho de 1977. O filme “fabricado por João César Monteiro”, como se lê no genérico inicial, organiza-se de acordo com a pulsação da comunidade humana e de todas as outras coisas vivas que habitam no território português. O coração que pulsa é uma mulher e feiticeira, Branca-Flor (Carmen Duarte), cuja história é contada a partir dos Contos Tradicionais Portugueses, escolhidos e comentados por Carlos de Oliveira e José Gomes Ferreira. O itinerário pelo país, de Trás-os-Montes ao Alentejo, tem um cunho poético e musical, atravessando oito séculos e combinando lendas, mitos, folclore, e tradições. As regiões e os imaginários dialogam através da força do povo como sujeito da sua própria história. Tal como Trás-os-Montes (1976) de António Reis e Margarida Cordeiro, Veredas empenha-se numa etnografia de salvaguarda, procurando guardar elementos de uma cultura ligada à terra e à água, desvalorizada pela modernidade burguesa, mas resistente ao desaparecimento. Na tragédia Euménides de Ésquilo, assim como nos fragmentos escritos por Maria Velho da Costa a partir das imagens, o cineasta encontrou, de acordo com o próprio, uma “vocalização coral” com “um significado político muito preciso” que liga a Grécia antiga ao Portugal de Abril na “fundação de uma nova justiça, mais humana, mais democrática”. As diferentes figurações do mal, as referências à servidão, constroem parábolas sobre a opressão na sociedade e na família e a possibilidade de libertação colectiva e individual no sul e no norte de Portugal. [07.06.2023]