Oppenheimer (2023)


Oppenheimer, real. Christopher Nolan. EUA/Reino Unido, 1943. 35/65mm, cor e pb, 180 min.

Numa entrevista, Robert J. Oppenheimer falava assim da Experiência Trinity, o primeiro teste de uma arma nuclear, conduzido nos Estados Unidos em 16 de Julho de 1945: “Esperámos até que a explosão passasse, saímos do abrigo e depois foi extremamente solene. Sabíamos que o mundo não seria o mesmo. Algumas pessoas riram, algumas pessoas choraram. A maioria das pessoas ficou em silêncio. Lembrei-me da frase da escritura hindu, o Bhagavad-Gita: Vishnu está a tentar persuadir o Príncipe de que ele deve cumprir o seu dever e, para impressioná-lo, assume a sua forma com múltiplos braços e diz: ‘Agora tornei-me a Morte, a destruidora de mundos.’ Suponho que todos nós pensamos isso, de uma forma ou de outra.” Há alguma controvérsia sobre o rigor desta tradução do Bhagavad-Gita. A tradução do sânscrito seria algo como “A morte sou eu, e a minha tarefa actual. / Destruição.” e é Krishna, um dos avatares de Vishnu, que o diz. Seja como for, o sentido transmitido pelo cientista está de acordo com o texto religioso. Esta citação é central no filme de Christopher Nolan, Oppenheimer. Trata-se de uma produção de grande escala que se ocupa de pequenos eventos, do encadeamento das suas causas e dos seus efeitos. O comentário do físico americano assume a mesma mudança de escala que molda a consciência. O mesmo é dizer que o valor desta obra não está no seu tema ou em qualquer mensagem sobre esse tema, mas no modo como o filme trabalha esse tema e o tema trabalha o filme. No âmago de uma narrativa sem centro, já que Oppenheimer não está presente em vários momentos mesmo estando ligado a eles, encontramos o projeto de criação de uma bomba atómica no contexto da Segunda Guerra Mundial, focado no desenvolvimento de material físsil para activar reacções nucleares em cadeia. A arma teria de comprimir uma esfera de plutónio uniformemente em todas as direções radiais, com elevada precisão. O mínimo erro resultaria num desequilíbrio de forças que não provocaria a implosão (método de activação usado na devastadora bomba lançada sobre Nagasaki, a 9 de Agosto de 1945). Através da montagem, do contraste visual e sonoro entre cenas curtas, e da sua interrupção, Oppenheimer transmite uma sensação permanente de desequilíbrio, volatilidade, instabilidade, com a fúria apropriada. A exploração séria que faz da história vai-se densificado, sempre à beira da destruição ou implosão, através da reconstrução de linhas narrativas entrelaçadas. Assim, o filme retrata a campanha anti-comunista em torno de Oppenheimer e das suas actividades políticas, o seu compromisso com o movimento sindical, a sua advertência sobre a corrida armamentista na Guerra Fria, a sua advocacia de organizações e acordos internacionais para controlar a energia nuclear, e a sua defesa da paz e do desarmamento. Em simultâneo, examina o idealismo de Oppenheimer, as suas cedências e convicções, e a sua ingenuidade face às maquinações de um poder dominador e militarista — por exemplo, a sua crença infundada de que a bomba seria apenas empregue como elemento dissuasor em vez de lançada duas vezes sobre o Japão pelo Exército dos Estados Unidos. Explicar um fenómeno é investigar a sua causa. No princípio, a causa parece completamente independente do efeito. No entanto, a dialéctica mostra que a causa é também um efeito e que a sua eficiência como causa depende de um complexo de condições que são causas e efeitos. Este entendimento da causalidade reconstrói as condições e as possibilidades numa rede intrincada de relações de causalidade que quebram a linearidade, tal como Oppenheimer expressa. A história humana não é linear, inclui avanços e recuos, vitórias e derrotas, mas isso não nega o encadeamento dos fenómenos históricos e sociais e a importância do contributo individual e colectivo para determinar o seu caminho. [12.10.2023]