Trás-os-Montes, real. Margarida Cordeiro e António Reis. Portugal, 1976. 16mm, cor, 108 min.
Para muitas pessoas, este costuma ser o primeiro contacto com o cinema de António Reis e Margarida Cordeiro. Pode ser um choque. Um choque, no bom sentido, porque o cinema desta dupla não se parece com nenhum outro. O mínimo que se pode dizer sobre Trás-os-Montes é que se trata de um filme muito original, “um fresco, uma gesta do Nordeste” na descrição do próprio realizador. O filme é uma espécie de tecido bordado, entre um olhar etnográfico, que procura desvendar a cultura profunda das comunidades transmontanas, e um olhar poético, que busca uma imersão no concreto das paisagens e dos lugares. É com grande liberdade que o filme combina histórias pessoais e familiares com depoimentos sobre estas comunidades minguantes, por causa do êxodo e do despovoamento, da pobreza e das mortes nas minas, por exemplo. Ao mesmo tempo, convoca lendas e mitos que passaram como um fio de magia de geração em geração e que são recreados no filme pelos habitantes de um conjunto de aldeias entre as cidades de Bragança e Mirando do Douro. O próprio quotidiano é recreado, num processo de auto-consciência que permite que as muitas pessoas que participaram nesta obra olhassem para si e para a comunidade a que pertenciam. Sem a disponibilidade delas o filme não existiria. Sem a sensibilidade e generoridade de Margarida Cordeiro e António Reis, Trás-os-Montes não seria a obra marcante que é. [13.10.2024]